
Justa causa por atos de manifestações nas mídias sociais
A legislação trabalhista estabelece que a demissão por justa causa deve seguir critérios legais específicos, permitindo que, em casos de abusos, a questão seja levada ao Poder Judiciário e, conforme a situação, até mesmo revertida.
Essa relação interpessoal entre empregadores e trabalhadores deve ser pautada pela boa-fé objetiva e pelo respeito mútuo, além da observância das normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com a popularização das redes sociais e dos aplicativos de mensagens – como Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outros – diversas empresas passaram a utilizar os registros dessas plataformas como justificativa para aplicar a justa causa.
Diante das inúmeras controvérsias, o tema foi sugerido por um leitor para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da revista Consultor Jurídico, intensificando o debate.
Lição de especialista
O que seria, afinal, a justa causa no Direito do Trabalho? Os ensinamentos de Adalberto Martins esclarecem:
“Nas palavras de Wagner Giglio, ‘a justa causa traduz-se no ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a rescindir o contrato sem ônus para o denunciante’.”
Conforme o conceito apresentado, nem toda infração justifica a rescisão do contrato de trabalho. A justa causa se caracteriza pelo dolo ou culpa grave. Se a culpa for leve ou inexistente, a demissão por justa causa não se sustenta, sendo mais apropriada a aplicação de uma punição menos severa, como suspensão ou advertência.
A doutrina aponta para três sistemas legislativos referentes à justa causa: o genérico, o taxativo e o exemplificativo. Há consenso de que o legislador optou pelo sistema taxativo, enumerando situações específicas que justificam a demissão, impossibilitando a invocação de motivos não previstos em lei.
Legislação
Segundo o artigo 482 da CLT, a demissão por justa causa precisa obedecer a critérios que fundamentem o encerramento do contrato de trabalho de forma motivada. Nesse caso, os direitos do trabalhador ficam reduzidos no momento do pagamento das verbas rescisórias.
Casos práticos
Um caso emblemático envolveu um trabalhador acusado de postar figurinhas “desrespeitosas” em um grupo corporativo de WhatsApp, cuja demissão por justa causa foi revertida. A empresa foi condenada ao pagamento das verbas rescisórias típicas de uma dispensa sem motivo. O empregado, que contava com mais de 13 anos de serviço em uma empresa de serviços gráficos, foi demitido sob a acusação de “mau procedimento e indisciplina”.
De acordo com os autos, após a comunicação via WhatsApp sobre o atraso no pagamento do adiantamento salarial, o trabalhador compartilhou figurinhas no grupo, ao qual também participava o proprietário da companhia. As figurinhas foram consideradas “desrespeitosas” e teriam causado tumulto, justificando, assim, a aplicação da justa causa.
No entanto, no julgamento, o magistrado enfatizou que “a despedida por justa causa constitui a penalidade mais severa aplicável ao trabalhador e, por isso, só deve ser admitida quando for comprovada, de forma robusta, a ocorrência de falta grave o suficiente para romper definitivamente a fidúcia inerente ao contrato de trabalho”. Além disso, o juiz ressaltou que outros colaboradores que participaram do grupo não sofreram a mesma punição, evidenciando uma aplicação seletiva e unilateral da penalidade.
O caso demonstrou que os argumentos da empresa eram frágeis, especialmente por penalizar apenas um empregado e ignorar comportamentos semelhantes de outros. Assim, a demissão por justa causa deve ser uma medida excepcional, respaldada por provas consistentes e por condutas que comprometam a confiança na relação de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se manifestou em situações similares envolvendo publicações inadequadas em grupos de WhatsApp. Em um episódio, um trabalhador foi dispensado por ato lesivo à honra do empregador, após reclamar sobre o atraso no pagamento do 13º salário. Conforme o voto do ministro relator, a publicação, ainda que agressiva e reprovável, não configurou falta grave suficiente para justificar a justa causa, especialmente considerando o longo período de serviço sem infrações e o curto tempo em que a postagem permaneceu online.
“O reclamante valeu-se de seu aplicativo de mensagens para externar seu sentimento de insatisfação com o suposto atraso do pagamento da parcela do 13º salário — a qual, em realidade, foi quitada tempestivamente. Conquanto a linguagem empregada denote agressividade e suscite repúdio, configurando, portanto, uma conduta reprovável, não se reveste da gravidade necessária à configuração da justa causa, sobretudo quando considerado que o reclamante prestou serviços por oito anos sem ter cometido infração disciplinar e que a publicação foi retirada em poucos minutos. Não há, pois, como concluir que após oito anos de vínculo empregatício, a publicação, mantida por poucos minutos, contendo uma reclamação acerca do atraso de uma das parcelas legais, implique na quebra absoluta da fidúcia imprescindível à relação empregatícia.”
Esses exemplos demonstram a necessidade de cautela na aplicação da demissão por justa causa, dado o severo prejuízo que a medida implica para a vida pessoal e profissional do trabalhador. Assim, é crucial que as empresas adotem medidas preventivas, com regras claras, capacitação e treinamentos que garantam o cumprimento das normas e fortaleçam o diálogo interno.
Além disso, a implementação de mecanismos complementares, como registros de ocorrências, regulamentos internos e códigos de conduta, pode ser uma estratégia eficaz para prevenir danos, pois investir em prevenção é significativamente mais vantajoso do que arcar com os custos decorrentes de falhas na gestão do comportamento no ambiente de trabalho.