Juízes se preparam para o aperfeiçoamento
Há exatamente 80 anos, em 1º de maio de 1941, a Justiça do Trabalho foi oficialmente instalada no país com o objetivo de “criar um fórum especial para que patrões e empregados resolvessem suas disputas com a mediação do poder público”. Na época, o órgão máximo desse ramo especializado era o Conselho Nacional do Trabalho, órgão da estrutura do Poder Executivo, com sede no Rio de Janeiro, então capital da República.
Passadas oito décadas, o próximo passo da Justiça do Trabalho é, paradoxalmente, decorrente da epidemia de Covid-19. Os juízes se preparam para o aperfeiçoamento do projeto “Justiça 4.0”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem grande contribuição do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme sua presidente, ministra Maria Cristina Peduzzi. Ou seja, é a utilização da tecnologia, que foi aperfeiçoada durante o período de epidemia e de mudança dos procedimentos do trabalho da Corte, para constituir um novo paradigma nas audiências e julgamentos.
“O uso da tecnologia no Poder Judiciário já é uma realidade. Estamos adotando estratégias para fomentar a produção de provas por meios digitais. Assim, o uso é uma iniciativa que será implementada de maneira institucionalizada, em todos os Tribunais Regionais do Trabalho do país, com as devidas cautelas e cuidados, para que sejam garantidos os direitos fundamentais de todos aqueles envolvidos no processo”, diz a ministra.
No momento, o TST treina juízes e servidores para que possam utilizar dados tecnológicos na instrução processual, principalmente quando há aspectos ou fatos controvertidos. Trata-se de um instrumento inovador pela busca de provas que retratem de forma mais fidedigna possível a realidade no processo, segundo o tribunal.
Os desafios, de fato, agora são outros, segundo a ministra, a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da Corte. “A atuação da Justiça do Trabalho tem sido fundamental, porque auxilia a sociedade brasileira a compor conflitos que são típicos de um sistema capitalista equilibrado entre as demandas empresariais e as trabalhistas, os trabalhadores”, disse em entrevista à Conjur.
De início, lembra a magistrada, esses conflitos recorriam de uma sociedade originalmente agrária, que buscava se industrializar, e a Justiça do Trabalho assumiu o papel civilizatório de traduzir as demandas econômicas em uma linguagem de direitos que era virtualmente desconhecida até 1943, o ano em que foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“Agora, temos novas formas de trabalho, a quarta revolução industrial, e novas formas de prestação de serviço. Esse é o nosso grande desafio do presente. É o caso do teletrabalho, da prestação de serviço por meio das plataformas virtuais e dos aplicativos. No regime em que vivemos, cabe ao legislador instituir formas de regulamentar e cabe à Justiça do Trabalho, enquanto nós não temos uma legislação que discipline essas novas formas de trabalho, aplicar, de forma técnica, segura e precisa a legislação em vigor”, afirmou.
Linha do tempo da Justiça do Trabalho
1941 — Instituída, no Brasil, no governo de Getulio Vargas, pela Constituição de 1934, como integrante do Poder Executivo, logo após a instituição, em 1932, das Juntas de Conciliação e Julgamento, a Justiça do Trabalho foi oficialmente instalada no país no dia 1º de maio de 1941, com o intuito de “criar um fórum especial para que patrões e empregados resolvessem suas disputas com a mediação do poder público”. Na época, o órgão máximo desse ramo especializado era o Conselho Nacional do Trabalho, órgão da estrutura do Poder Executivo, com sede no Rio de Janeiro, então capital da República.
1943 — É aprovada, em 1º de maio, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil em um único documento legal de fundamental importância para a consolidação dos direitos trabalhistas e da própria Justiça do Trabalho anos depois.
1946 — A regulamentação e integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário ocorreu com a Constituição de 1946, que transformou o Conselho Nacional do Trabalho e os Conselhos Regionais do Trabalho em, respectivamente, Tribunal Superior do Trabalho e Tribunais Regionais do Trabalho. A primeira instância desse novo ramo do Poder Judiciário Federal era composta pelas Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ).
1963 — Foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 4.214/63), diploma normativo que estendeu a legislação trabalhista urbana para as fazendas, empresas e respectivos trabalhadores rurais. Até essa época, a legislação trabalhista não se aplicava às relações de trabalho situadas no campo brasileiro, deixando ao desalento econômico, social e jurídico parcela significativa de trabalhadores e cidadãos brasileiros.
1964 — Com o advento do regime autoritário em 1964, são tomadas medidas duras contra o movimento sindical dos trabalhadores, procedendo-se a mais de 500 intervenções nos sindicatos brasileiros. No conjunto das medidas restritivas é também aprovada, em 1º de junho, a Lei nº 4.330, reguladora da greve. O referido diploma legal, entretanto, estabelecia tantos requisitos, óbices e limitações para o exercício do movimento paredista que terminou por inviabilizar a promoção desse ato coletivo pelos trabalhadores durante vários anos. Nesse contexto, a existência da Justiça do Trabalho tornou-se um dos poucos canais de alcance da efetivação de direitos individuais e sociais trabalhistas e também de defesa e conquista de novos direitos coletivos — neste caso, por meio do dissídio coletivo de natureza econômica.
1971 — No dia 1º de maio de 1971 ocorreram as solenidades de instalação do Tribunal Superior do Trabalho, no Setor de Autarquias Sul, em Brasília, nova capital da República. Atualmente, o respectivo prédio é ocupado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.
1988 — É promulgada a Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”. Mais que romper com uma ordem constitucional autoritária, a nova Constituição da República aprofundou e generalizou ainda mais tanto o Direito Individual do Trabalho, que rege os contratos trabalhistas, como o Direito Coletivo do Trabalho, que trata das entidades sindicais e das questões coletivas trabalhistas. Se não bastasse, a Constituição de 1988 também aperfeiçoou o Direito Processual do Trabalho, por intermédio da ampliação e interiorização da Justiça do Trabalho ao longo do país. A Carta incorporou ao seu texto antigos direitos, às vezes os ampliando ou estendendo, sem contar a criação de novos direitos. Entre outros: duração do trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais (antes eram 48 horas); extensão do FGTS ao empregado rural; irredutibilidade salarial, salvo negociação coletiva; remuneração pelo trabalho noturno superior ao diurno; participação nos lucros da empresa; proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 anos, e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz; férias anuais remuneradas com 1/3; ampliação da licença-maternidade para 120 dias; criação da licença paternidade, então com cinco dias.
1999 — A Emenda Constitucional nº 24, de 1999, extinguiu a representação classista da Justiça do Trabalho, cuja composição, até então, era formada por juízes togados e representantes classistas dos empregados e dos empregadores. As Juntas de Conciliação e Julgamento passaram a ser denominadas Varas do Trabalho, sendo compostas exclusivamente por juízes togados admitidos mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases.
2004 — A Emenda Constitucional nº 45 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para incluir, de forma abrangente, as relações de trabalho e não apenas as de emprego, previstas na CLT, e, ainda, o processamento e o julgamento de relevantes ações conexas às relações de emprego e de trabalho. A emenda ampliou a composição do TST, resgatando as dez antigas vagas da representação classista extinta em 1999; com isso, a Corte Superior Trabalhista voltou a ter 27 vagas de ministros. A EC nº 45/2004 criou ainda o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus. Criou também a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), cujo objetivo é promover a seleção, a formação e o aperfeiçoamento dos magistrados do trabalho, que necessitam de qualificação profissional específica e atualização contínua, dada a relevância da função estatal que exercem.
2010 — Em 29 de março de 2010, a Justiça do Trabalho aderiu, oficialmente, ao Processo Judicial Eletrônico (PJe). O projeto tem como meta elaborar um sistema único de tramitação eletrônica de processos judiciais. A primeira etapa de instalação do Sistema PJe da Justiça do Trabalho (PJe-JT) priorizou a fase de execução das ações trabalhistas. Após o desenvolvimento de funcionalidades e treinamento de servidores, o módulo piloto do Sistema — Termo de Abertura da Execução Eletrônica (Taee) foi lançado em Cuiabá em 10 de fevereiro de 2011. A primeira unidade judiciária a instalar o PJe-JT na fase de conhecimento foi a da Vara de Navegantes (SC), em 5 de dezembro de 2011. Na ocasião, todos os procedimentos foram realizados de forma eletrônica.
2017 — Após célere tramitação no Parlamento, a reforma trabalhista, promulgada pelo então presidente Michel Temer, promoveu mais de cem alterações na Consolidação das Leis do Trabalho. Houve alterações nos acordos entre patrões e empregados, no banco de horas, na contribuição sindical, nas convenções e acordos coletivos, na equiparação salarial, na homologação de rescisões, no trabalho intermitente e ainda se discutem os honorários advocatícios sucumbenciais por parte do trabalhador que ingressa com uma ação.
2020 e 2021 — Desde o início de 2020, o mundo tem enfrentado a epidemia de Covid-19, com a paralisação parcial das atividades econômicas em face da quarentena e do isolamento social. Nesse contexto, o Poder Judiciário Trabalhista, com a finalidade de cumprir seu papel institucional, tem adotado medidas importantes. Uma delas foi recomendar a adoção de mediação e conciliação de conflitos individuais e coletivos por meios eletrônicos e videoconferência, bem como a promoção de audiências telepresenciais, com a participação, em tempo real, dos advogados e dos membros do Ministério Público do Trabalho. Outra medida importante adotada pelo TST, e recomendada após pelo CNJ, foi a suspensão das atividades presenciais e a adoção do regime de trabalho remoto. Além disso, foi criado o Balcão Virtual, plataforma de atendimento ao público externo por videoconferência para a comunicação com as secretarias das unidades judiciárias. Essas medidas adotadas pelo TST, que foram estendidas aos TRTs e Varas do Trabalho do Brasil, mantiveram a prestação jurisdicional célere, preservando a saúde de magistrados, servidores, advogados e partes do processo, mantendo a alta produtividade de toda a Justiça do Trabalho no curso da pandemia da Covid-19.
Por Severino Goes
Fonte: Conjur